Abrigos de Memória, 2004
Palavras manipuladas digitalmente
Memory Shelters, 2004
Words digitally manipulated
Prolongando a imagética do cérebro e o tema da memória e da consciência, Cláudia Amandi introduz neste trabalho novos processos de formação de imagem. Com efeito, as formas dos cérebros são compostas de palavras impressas que se sobrepõem em camadas, aludindo mais uma vez ao carácter estratificado da memória e da consciência. De forma eficaz, as imagens mostram diferentes intensidades de palavras, precisamente numa construção evocativa do pulsar de um pensamento intermitente, no qual as ideias e as formas surgem e desaparecem a cada instante. A mancha de palavras funciona como uma formação translúcida que deixa adivinhar núcleos (sinápticos) de ideias ou recordações num espaço de denso e profundo. Assim, esta série remete para a transformação de ideias e pensamentos registados na sua emergência e vestígio, assemelhando-se ao processo mental onde as formas tomam sucessivamente os lugares umas das outras. Dessa impermanência subsiste uma espécie de angústia de fixação, ou neste caso, uma dúvida face à possibilidade de perder pensamentos, abandonar memórias, reduzir a mente a um estado residual.
As imagens dos cérebros apresentam-se assim como ecrãs luminosos sugerindo a luz de imagens em transformação. A sequência de imagens da série confirma a perceção de camadas e a sucessão de ‘estados’ cerebrais numa negociação entre a memória e o esquecimento materializada entre a presença e o vazio da imagem. Como em séries anteriores, estas impressões evocam e subvertem as imagens médicas, sugerindo a captação por ultrassons, radiações, digitalizadores ou tomografias. O universo das imagens imateriais (não obtidas pelo contacto visual com superfícies tangíveis) resultantes de frequências de onda e processos afins, reforça o sentido da imaterialidade do pensamento.
Nesse conjunto de trabalhos refere-se assim um limite do corpo, na passagem para o imaterial e para o puramente mental. Acentua-se desse modo uma incerteza sobre o corpo como suporte suficientemente capaz de fixar em si as memórias e os pensamentos. De que modo poderá a matéria fixar e sustentar a mente, evitando que se perca no tempo e na acumulação de informação. A imagem (desenho) funciona como um plano ou uma superfície real atravessada por pensamentos, como se o trabalho artístico fosse, neste caso, o de reter essa passagem em instantes, como um filtro.
Going deeper into the theme of the brain, memory, and conscience, Cláudia Amandi introduces a new process of image-making. Indeed, the shapes of the brains are composed of words printed in overlapping layers, alluding once again to the stratified nature of memory and consciousness. Effectively, the images show different intensities of words like a pulsar of intermittent thought, in which the ideas and forms appear and disappear instantly. The words act as a translucent core (synaptic) of ideas or memories. So, this series refers to the transformation of ideas and thoughts recorded in its emergency and vestige, resembling the mental process where the shapes take successively the place of each other. There is a kind of anguish of losing thoughts or memories, reducing the mind to a residual state.
The images of the brains are like bright screens suggesting light-changing pictures. The sequence of images of the series confirms the perception of layers and the succession of ' brain ' states relating to memory and oblivion. As in the previous series, these prints evoke and subvert the medical imagery, suggesting the capture by ultrasound, radiation, or scanners. The universe of immaterial images (not obtained by visual contact with tangible surfaces) that result from wave frequencies and related processes, strengthens the sense of immateriality of thought.
This work refers to a bodily edge, at the gateway with the immaterial and the purely mental. It stresses an uncertainty about the body as a support able to keep the memories and thoughts. How can the brain establish and sustain the mind, avoiding waste of time and the accumulation of information? The image (drawing) functions as a plan or a surface crossed by thoughts as if the artwork was a filter. (I)