Parede de Trabalho
Working Wall
Espaço EstúdioUM,
Escola de Arquitetura da Universidade do Minho
Março 2020, Guimarães
Parede de Trabalho, Sala de Pânico
O espaço Estúdio Um acolhe durante o mês de março, uma exposição de Cláudia Amandi, cujo trabalho se tem dividido entre a escultura e mais recentemente, o desenho. Nesta exposição Cláudia Amandi reuniu um conjunto de material gráfico que normalmente se encontra disposto na parede do espaço de trabalho, num movimento circulatório entre gavetas, cadernos e novamente, a parede. Esse espaço de trabalho concreto, configura o conceito mais geral e abstrato do espaço de conflito criativo do artista, uma espécie de Sala de Pânico, onde a aparente segurança das metodologias de trabalho é negociada com a ameaça de uma crise na formação de novas ideias. Estes trabalhos de Cláudia Amandi não são, no entanto, “de parede”, no sentido de ser pensados prioritariamente como presença expositiva. Não existe uma finalidade comum nestas imagens, alguns desenhos foram feitos para estar em páginas de cadernos, ou retirados de publicações como fotocópias de fotografias ou, ilustrações para visualizar uma frase. Ou são experiências preparatórias e desenhos falhados que, por qualquer razão, não foram acabados. Alguns serviram para ocupar o tempo, num exercício automático durante uma reunião ou telefonema. São imagens divergentes, ainda sem um fim, que se juntam na parede e, nessa altura, adquirem um formato dentro do campo visual do observador, a saber, o autor. Nesta exposição, percebe-se que certas séries foram desarrumadas, outros desenhos tapados e, que não se verifica uma ordem sequencial, mas antes um improviso. A parede da sala de trabalho transmite uma qualidade doméstica como um arranjo privado relativamente às visitas e ao público, conduzido ao sabor de conveniências práticas, pequenos cuidados e descuidos, perdidos e achados. Portanto, a parede aí está, como espaço para suportar os papéis, mas também como um mapa do processo construtivo, um arrumo às avessas, porque se dispõe na aparente desordem e, nessa altura, se geram dinâmicas em relações acidentais ou intuitivas.
Nessa qualidade de “desarrumo”, onde as ordens e estruturas funcionam de modo latente, manifesta-se o estado de agitação e esforço próprios do processo criativo, em busca de uma solução que não tarda, mas que, por vezes, também não surge, adiando a presença de uma imagem em particular, prolongando a estadia de algumas fotocópias para as quais ainda não se percebeu um sentido, mas que permitem manter as ideias em potência, ainda com energia. No caso desta parede montada por Cláudia Amandi, é recriada a superfície do espaço de trabalho, evidenciando as relações entre imagens desconexas, de modo a ligar redes paralelas, uma malha de formas e imagens e textos em atividade simultânea. Também desse modo, de uma confusão aparente descobre-se um mapa orientador que previne contra relações lineares, contactos óbvios e previsíveis.
Algum tempo depois, lentamente tudo se parece resolver numa síntese formada e composta. A exposição pública na galeria apresenta-se devidamente organizada, delimitada e limpa, com séries de trabalhos elevados na sua segurança autoral, com a sua coerência formal e técnica. Ciclicamente surgem destas imagens na parede, soluções depuradas na sua visualidade discursiva, evocativa. Mas o artista ou desenhador, regressa à sua sala de pânico e recomeça o ciclo: e agora? O que fazer a seguir? Abram-se as gavetas, saltem os lápis, venham as fotografias, ilustrações. Trabalhos à parede! (I)
Paulo Freire de Almeida, março 2020