Seis Dias em Tharsis, Seis Dias em Marineris, 1998
Projeção diapositivos. Imagens manipuladas digitalmente
"Em dois dias chegamos a Marte, ao Aeroporto de Olympus Mons. Olympus Mons é um vulcão extinto a noroeste do equador marciano, sendo a sua altitude de 26000 m e com o diâmetro de quase 600 km. O aeroporto foi construído no pico da cratera, de seguida, fizemos transbordo para Tharsis. Tharsis fica no equador sendo construído por 3 vulcões extintos: Arsia, Pavonis e Ascreus. Hospedamo-nos em Arsia, durante seis dias subimos e descemos crateras, visitamos grutas, atravessamos redemoinhos de areia e experimentamos em algumas zonas a ausência de gravidade. A diferença de temperatura entre dia e noite varia entre os vinte graus positivos e os setenta graus negativos, respectivamente, o que apenas permitia andar no exterior entre as oito e as dezoito horas. Seguimos para os vales Marineris, a sudoeste do equador, conhecida pela sua grande dimensão (4800km de comprimento e 70km de largura). Este desfiladeiro é também um dos locais preferidos pela abundância de pequenos mares e temperaturas mais agradáveis. Foram seis dias entre mares e desertos." Do texto de apresentação do trabalho.
A peça Seis Dias em Tharsis, Seis Dias em Marineris constitui uma singularidade no trabalho de Cláudia Amandi, pelo seu contexto, processo e linguagem. Mas também, prossegue um sentido ficcional e narrativo indiciado em Cabeças. O contexto deste trabalho também se destaca como específico, tanto nas circunstâncias como no tema. Em 1998 realizou-se na galeria da Cooperativa Artística Árvore no Porto uma exposição comissariada por Bernardo Pinto de Almeida intitulada Fundação Radar. Como se sabe, o tema da ficção científica foi bastante popular entre os anos cinquenta e setenta, como expressão popular de um misto de terror e esperança relativamente ao futuro. Mas também, como impulso natural decorrente de um progresso industrial e tecnológico sem aparente condicionalismo. As limitações relativas à crise energética, bem como a ameaça nuclear e também a crise ecológica, refrearam bastante este entusiasmo. A partir dos anos setenta, o futuro tornou-se bem mais claustrofóbico e opaco, não como fonte de fantasias expansionistas, mas como clausura num planeta sem saída.
Fundação Radar foi o retomar do cliché futurista como expoente dos lugares-comuns da linguagem mediática, mas, todavia, um lugar-comum com energia para permitir a força expansiva da imaginação e da fantasia, em contra corrente com as tendências de uma certa nova arte portuguesa marcada pelo “inexpressionismo” e pela redundância tautológica. O trabalho de Cláudia Amandi integrou-se assim nesse tema, em especial parceria com o trabalho de Rute Rosas. Cláudia Amandi preparou a projeção de um conjunto de diapositivos. Nessa colaboração e instalação conjuntas, Cláudia Amandi e Rute Rosas ocuparam uma pequena sala onde as duas obras complementaram-se. Ao entrar na sala, os visitantes podiam-se sentar e /ou deitar nos grandes objetos criados por Rute Rosas. Almofadados a veludo vermelho e encostados às paredes do espaço, estes objetos convidavam ao deleite e ao visionamento dos diapositivos Seis Dias em Tharsis, Seis Dias em Marineris de Cláudia Amandi que ininterruptamente passavam numa grande tela, ao som de uma banda original criada por Pedro Tudela. Com esta dualidade entre o material e a projeção, entre o real e a ficção, a pequena sala materializou o espírito "lounge", lúdico e descontraído em sintonia com o tema central da projeção – um conjunto de imagens de umas férias passadas com amigos em vários locais de Marte. A partir de imagens microscópicas de polímeros como fundo, Cláudia Amandi ficciona uma viagem a Marte, introduzindo personagens que indiciam momentos passados nesse ambiente. Se algumas das ações dos personagens pertencem a reais momentos de férias transpostos para este ambiente, outras foram propositadamente pensadas e fotografadas em estúdio para este efeito. Neste exercício de montagem e recriação de paisagem, Cláudia Amandi procede para um quotidiano futuro, ou transformando o que seria uma aventura espacial numas simples férias onde se prolonga o regime de comodidade do presente. A ênfase na confiança reforça-se pela sucessão de imagens em forma de álbum de férias que exibe o seu carácter íntimo como objeto social, exposto à partilha coletiva, reforçando também a banalidade do assunto. A mesma trivialidade de umas férias de praia.
Os fundos formam uma paisagem simultaneamente fascinante e inóspita pela luminosidade e cromatismo da cor introduzida nas fotografias laboratoriais. O trabalho recria este exercício imaginário de uma viagem onde as expressões de diversão, relaxamento e surpresa dos personagens contrastam com o ar ameaçador dos fundos e do ambiente. Seis dias em Tharsis, Seis Dias em Marineris teve ainda a peculiaridade de apresentar algumas provas desta viagem no futuro, como fotografias dos bilhetes de avião e mapa do percurso da viagem. O espaço e o futuro ao alcance de umas férias, como qualquer programa de agosto no quotidiano atual.